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quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Tuol Sleng - Phnom Penh - Camboja

 
Regressada há poucas semanas de uma viagem pela Indochina (Vietnam, Camboja, Tailândia e Laos), o Camboja foi o país que mais me marcou e não pelas melhores razões. Não me interpretem mal - o Camboja é um país lindo, coberto por florestas e plantações de arroz ao longo da fértil bacia do rio Mekong, de gente sorridente, amável e bem disposta.

No entanto, é um país marcado por conflitos que causaram a morte de milhões de pessoas nas últimas décadas. O mais traumático deles ocorreu durante o domínio da facção de esquerda Khmer Vermelho, liderada por Pol Pot, nos anos 70.

Em Phnom Penh, visitei o Museu Tuol Sleng e também o Memorial Choeung Ek (que ficará para um próximo post). As fotos não são nem de perto as suficientes para conseguir transmitir o que vi e senti. Digo-vos que apenas fotografei para poder mostrar o que vi, de forma nenhuma (e pela primeira vez) com vontade de fotografar.


Museu Tuol Sleng 

Outrora escola secundária, em Agosto de 1975  os cinco edifícios do complexo escolar Tuol Svay Prey em Phnom Penh na capital do Camboja, foram transformados num centro de prisão e interrogatório, quatro meses após o Khmer Vermelho haver vencido a guerra civil. Este local recebeu o nome de Tuol Sleng (que em khmer significa "montanha das árvores venenosas") e transformou-se na Unidade de Aprisionamento e Interrogatório S-21, durante o regime de Pol Pot.


Um dos 5 edifícios do complexo escolar


Para receber os "internos" o perímetro do complexo foi fechado com cercas de arame farpado electrificado, nas salas de aula foram erguidas minúsculas celas individuais rudimentarmente construídas e as janelas foram fechadas com barras de ferro e arame farpado.

Regulamento original que tinha de ser decorado à
 chegada por todos os prisioneiros.

Pormenor de uma das celas





















Uma das salas onde foram encontrados os últimos corpos ainda quentes, depois da retirada apressada dos Khmer V.
 Ao fundo a foto do repórter vietnamita


Placa colocada à entrada do primeiro edifício


As estimativas de pessoas aprisionadas para interrogatório e tortura entre 1975 e 1979 variam de 17.000 a 24.000, das quais apenas 12 sobreviveram. Em qualquer período, durante o reinado de terror do Khmer Rouge a prisão continha um número médio entre 1.000 a 1.500 prisioneiros, sendo estes homens, mulheres e crianças. Os internos foram repetidamente torturados e coagidos a confessarem-se como "espiões" ou "conspiradores" ou mesmo a nomear parentes e amigos como tal, que por sua vez, eram também presos, torturados e mortos em nome do regime. Nos primeiros meses de existência da S-21, a maioria das vítimas eram trabalhadores do antigo regime e governo de Lon Nol e pessoas com algum nível de educação formal, o que incluia soldados, professores, médicos, oficiais do governo, burocratas, engenheiros, comerciantes, funcionários públicos e até mesmo monges budistas. Nos últimos meses de existência do regime ultramaoísta, a paranóia do regime começou a virar-se contra membros do próprio partido, fazendo com que milhares de membros de todos os escalões do Khmer Vermelho fossem trazidos juntamente com as suas famílias para serem interrogados e em seguida exterminados. Apesar da acusação oficial contra esses homens ter sido "espionagem", eles eram presos pelo facto de Pol Pot os ter como líderes potenciais de um golpe de estado contra ele.

Apesar da ampla maioria das vítimas ser de origem Khmer, o total de aprisionados também incluía estrangeiros, como australianos, neozelandeses, britânicos, americanos, franceses, indianos e muitos outros...
Canto superior direito - jornalista canadiano

No momento da entrada do Khmer Rouge no poder, a maioria dos não-cambojanos foi evacuada ou deportada para os seus países de origem e aqueles que permaneceram foram vistos pelo partido como um risco iminente à segurança nacional. Muitos dos estrangeiros capturados e mortos em Tuol Sleng, terão sido apanhados no mar em águas territoriais cambojanas e viajavam em embarcações privadas.


Salas de tortura
Ao longo dos primeiros meses, o governo prosseguiu com o seu programa de execuções e, qualquer indivíduo que houvesse trabalhado de alguma forma vinculado ao ex-governo, teria morte certa, caso fosse identificado. o Khmer não executava apenas o "vinculado" mas todos os seus familiares, para eliminar qualquer possibilidade de futura vingança contra o regime.


Por volta de Julho de 1975, o ritmo da matança foi reduzido e os condenados passaram a ser enviados para os "centros de reeducação", onde fariam parte dos "batalhões de trabalhos forçados". No final desse ano, e início de 1976, houve um aumento das execuções em massa, só que agora eram dirigidos aos mais cultos e intelectualizados, tais como professores, jornalistas, escritores... Apenas foram poupados um fotógrafo, um pintor, um escritor que foram obrigados a registar e documentar tudo o que se passva, chegando-se ao extremo de numerar e fotografar todas as pessoas torturadas e executadas, homens, mulheres e crianças.

Durante todo este período, o regime de Pol Pot exerceu o poder de vida e morte sobre toda a população, sem a menor contestação. Devido à necessidade de poupar munições, as armas de fogo poucas vezes eram utilizadas. Eram então usadas outras formas para matar. Os bébés de colo, por exemplo, eram retirados às mães e agarrados pelos pés, enquanto martelavam as suas cabeças nas árvores próximas. As pessoas eram mortas por qualquer motivo : por não trabalharem com o desejado afinco, por reclamarem das condições de vida, por guardarem algum bem ou comida para utilização própria, por usarem alguma jóia, por terem relações sexuais não autorizadas, por chorarem a morte de algum amigo ou familiar e até por demonstrarem algum sentimento religioso. Essa matança ocorria, sempre, sem qualquer tipo de julgamento e prolongou-se, ininterruptamente, até à invasão do país pelas tropas do Vietname, em 1979. 




Quando as tropas vietnamitas entraram em Phnom Penh em 1979, um fotógrafo militar vietnamita foi a primeira pessoa ligada à imprensa a mostrar os horrores de Tuol Sleng ao mundo. Ele e os seus colegas seguiram a trilha de cadáveres podres rumo aos portões da S-21. As fotos deste fotógrafo encontram-se hoje em dia em exibição nas várias salas expostas ao público no Museu do Genocídio Tuol Sleng.


Os pavilhões da S-21 foram preservados como estavam quando o Khmer Rouge foi deposto em 1979. O regime mantinha registos detalhados incluindo centenas de milhares de fotografias. As paredes de muitas salas estão agora cobertas do chão ao tecto com fotografias a preto-e-branco de cerca de 20.000 pessoas que por ali passaram.
Aparelho de tortura
























Outras salas contêm apenas uma armação de cama com um estrado de aço enferrujado, sob um fotografia que mostra a maneira exacta como o fotógrafo encontrou os corpos. Em cada fotografia está o corpo mutilado de um prisioneiro, acorrentado à cama, deixado morto pelos seus captores em fuga. Outras salas preservam os instrumentos de tortura. Há também pinturas do artista que foi mantido vivo até ao final de forma a poder pintar as pessoas a serem torturadas.



A partir de 1979, com a invasão vietnamita, Hanói assume o controle do Camboja e Pol Pot é deposto. O país passará a ser denominado República Popular do Camboja, sob a presidência de Heng Samrin. Daí em diante, ao longo dos anos, o regime se tornará menos opressor e tende, mesmo que levemente, a uma ordem democrática mais liberal, embora tenha adoptado a base do regime marxista-leninista do Vietname. O país começa então a ser reconstruído e as suas instituições recompostas, embora o sistema colectivista e a economia planificada tenham continuado.

 


Depois de passar 18 anos escondido na selva e ter a sua morte anunciada diversas vezes, Pol Pot reaparece em Julho de 1997. É acusado pelo Khmer Vermelho de mandar matar vários ex-companheiros e suas famílias. É condenado à prisão perpétua, a ser cumprida em sua casa. Lon Nol, ex-presidente do Camboja, diz que, dos 7 milhões de cambojanos, 3 milhões haviam morrido de fome, doenças ou devido a expurgos, desde a ascensão dos comunistas ao poder. O Camboja encerra o século com um regime de governo estabelecido por uma Monarquia Parlamentarista, sob a égide do já registado Norodom Sihanouk.
Um acordo assinado entre o governo cambojano e a ONU, em Maio de 2000, determina a criação de um tribunal para julgar os líderes do Khmer Vermelho por crimes contra a humanidade.

5 comentários:

  1. Que grande reportagem fotográfica! parabéns!
    Não tive tempo de conhecer a capital, apenas tive de passagem. No entanto estiver em Angkor e adorei. Saber que este povo sofreu tanto há tão pouco tempo atrás, e mesmo assim serem as pessoas mais simpáticas que já conheci, foi sem dúvida um dos aspectos que mais me impressionou na viagem.

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  2. Estupendo el post que nos has dejado. Un placer haberme pasado de nuevo por tu casa.

    Saludos y buena tarde.

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  3. Arrepia. Post muito bem documentado. bjinho

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  4. Este é sem dúvida o post que mais me impressionou e que li com muito cuidado.

    Tal como te disse pessoalmente este post, para mim, está na lista dos 3 primeiros (se não mesmo em primeiro lugar).
    Sei o que te custou fazer esta reportagem fotográfica, a descrever o que viveste/sentiste... tal como referiste, é muito forte e chocante.

    Desconhecia totalmente estes acontecimentos e a tua reportagem despertou em mim a curiosidade de saber mais sobre este povo e o que ele sofreu (eu sei o que fazia a esse senhor se é que se pode chamar de senhor), e mesmo assim serem bastante simpáticas e acolhedoras.

    Apesar de vocês não levarem guia fiquei com vontade de conhecer a senhora (a que viveu lá), pois muitas histórias e factos terá ela para contar.

    Estou "anciosa" para ver o resto da reportagem.

    Parabéns!

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  5. Fiquei um pc impressionada com os poucos comentários a este teu trabalho. Mas rapidamente percebi (ou julgo q sim)o porquê... as tuas fotos são sp relatos é certo mas relatos de beleza e humanidade...o oposto desta mostra impressionante e tenebrosa.
    Partilho a opinião de q é uma excelente reportagem fotográfica em q partilhas o q viste e acima de td o conhecimento q tens sobre o sucedido.
    Para mim este post é cm todos os outros excelente e apaixonado, simplesmente abordaste uma outra faceta do (des)amor.
    "O amor está mais perto do ódio do que a gente geralmente supõe. São o verso e o reverso da mesma moeda de paixão. O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença" - Érico Veríssimo

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