Go there with an open mind, don’t expect anything, accept what you see and what you are given and your world will change forever as it did to mine!!
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Friedrich van Schiller
Com efeito, foi o que pensei quando resolvi candidatar-me a voluntária por um mês em terras de Africa, já lá vão quase dois anos. Um sonho que realizei, não sem a ajuda da família e dos muitos amigos que me apoiaram e incentivaram.
Após o meu regresso do Ghana, amigos e interessados pediram-me para escrever e descrever o que vi e vivi nos meus 30 dias na Volta Home, um Orfanato inserido num meio rural, albergando 36 crianças e jovens de várias idades e dirigido por um Pastor da Igreja Baptista e sua mulher.
Este projecto a “solo”, que realizei movida por um impulso e uma vontade férrea do “é agora ou nunca”, nasceu de um sonho que tenho desde sempre de, pelo menos uma vez na vida, poder proporcionar carinho, amor e atenção a crianças desprotegidas de continentes esquecidos.
Sem qualquer ajuda financeira, contando apenas com o meu ordenado e a bondade de alguns amigos e colegas de trabalho que encheram as minhas malas de brinquedos, livros, roupa e artigos de primeira necessidade para os “meus” pequenos, parti, no dia 8 de Fevereiro de 09, sozinha, com o coração cheio de amor mas também de apreensão e receio do desconhecido. Para trás deixei o marido e a filha que me apoiaram incondicionalmente durante os meses de preparação da minha viagem.
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Foi como se tivesse levado um murro no estômago. Respirei apressadamente várias vezes, de boca aberta, como que a querer engolir o máximo de oxigénio possível. Àquela hora tardia, o calor continuava insuportável e o ar irrespirável, pelo menos para mim, acabada de sair de um Inverno rigoroso na Europa.
À minha espera encontravam-se o director da organização não governamental (ADAVS) que faria a minha ligação com o local do voluntariado e uma voluntária americana, também acabada de chegar algumas horas antes.
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O facto de sermos brancas acentuou a imensa curiosidade e o sentido nato para o negócio deste povo simpático, que nos acenava para chamar a atenção e nos brindava com sorrisos de uma brancura reluzente numa pele negra e brilhante de suor.
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Três horas mais tarde, o rio Volta surge numa curva do caminho. Este é o maior rio do Ghana, formado na confluência de dois rios, no centro do país, o Black Volta e o White Volta, e desagua no Golfo da Guiné em Ada, a sudeste do país. A barragem de Akosombo construída entre 1959 e 1966 veio formar o Lago Volta, cobrindo uma área de 8.482 km2 o que o torna o maior lago artificial do mundo.
Entrámos na cidade por volta das 3h da tarde e esta fervilhava de agitação. Viaturas de todos os tamanhos e feitios, bicicletas e motorizadas cruzavam-se nas ruas aparentemente sem sinalização ou quaisquer tipo de regras. O calor era impressionante. Prince levou-nos ao escritório da ONG que não passava de uma simples casa de adobe e telhado de zinco numa rua de terra batida. Deixámos as malas com um dos seus colaboradores e fomos com a sua secretária almoçar ao Chance Hotel. De uma lista com alguma variedade de pratos típicos, decidi-me por Red-Red , um prato que mais tarde vim a saber ser bastante popular no Ghana, preparado com feijão manteiga ou preto guisado em molho de tomate e cebola e temperado com pimenta vermelha e óleo de palma. Este guisado é normalmente acompanhado de Plantains fritos. Escusado será dizer que, tanto eu como a Chelsea, suámos copiosamente enquanto comíamos, pela quantidade de picante que continha. No entanto, estava deliciosamente apaladado e, o meu estômago agradeceu porque mal comera desde a véspera.
Já de barriga cheia, voltámos ao escritório da ONG para buscar as minhas malas, porque eu continuaria viagem até à fazenda enquanto a Chelsea ficava em Ho.
A tabuleta Ve-Deme surgiu numa curva da estrada. Era a nossa saída. Neste momento já era noite cerrada e onde parámos não havia uma única luz. Retirámos as mala das traseiras da viatura e, à medida que o tro-tro se afastava, ficámos embrenhados na escuridão. Albert apontou-me um estradão de terra batida por onde teríamos de seguir, agora a pé. Eu estava completamente arrasada, com a viagem e o calor, e mal conseguia falar enquanto carregava às costas o meu saco de viagem. Albert por outro lado, rebocava calmamente o meu malão.
Como nenhum de nós tinha qualquer tipo de luz ou lanterna para nos guiarmos, por várias vezes enfiei os pés em buracos e poças de água ao longo do caminho. Dez minutos passados, Albert fez-me sinal que tinhamos chegado e entrámos por uma abertura à minha esquerda, através do que me pareceu uma vedação de bambu. Começei a ouvir gritos de crianças e, alguns segundos mais tarde, estava rodeada de uma multidão de garotos que gesticulavam e riam enquanto agarravam no meu saco, na garrafa de água e na mochila que eu transportava, enquanto outros me rebocaram até a um pátio onde estavam sentados um casal de idosos, ambos de constituição forte e larga. Convidaram-me a sentar, ofereceram-me água e fui bombardeada com perguntas durante uns bons 10 minutos às quais respondi o melhor que pude, enquanto tentava ver as caras dos garotos no meio das sombra. Sendo eles de pele muito escura, preta mesmo, era uma tarefa extremamente difícil e, no dia seguinte não me conseguiria lembrar de quais eu vira na véspera.
Depois de ser interrogada sobre o que tencionava leccionar durante o tempo de permanência na Volta Home e qual era a minha idade, o que foi motivo de risos porque Mrs. Annabis acertara quando dissera que eu aparentava ser mais velha do que a maioria dos voluntários que costumavam ter, levaram-me até à casa dos voluntários onde duas alemãs me esperavam : Sophia e Caro
line, ambas de 20 anos. Mr. e Mrs. Annabis deixaram-me entregue às minhas novas companheiras, não sem antes me entregarem uma malga tapada, com o meu jantar. Sophia informou-me que eu iria dormir no quarto dela, onde já estava um colchão no chão e a minha mala. Depois começaram por me explicar como as coisas funcionavam por ali, a que horas elas se levantavam, a que horas se comia, quais as aulas que eu poderia leccionar... De seguida, Sophia mostrou-me os sanitários que eu teria à disposição durante aquele mês, o local do banho, onde se recolher a água e, por fim, como montar a minha rede mosquiteira.
Por esta altura eu já estava tão cansada que já não conseguia assimilar mais nada. Só queria fazer a cama e deitar-me. Nem pensar em tomar banho à noite num local que não conhecia e sem luz a não ser a lanterna, portanto deixei o banho para o dia seguinte e fui deitar-me. Acordei cedo, às 6h da manhã, mas fiquei deitada à assimilar os ruídos que vinham do exterior. Os galos gritavam a plenos pulmões, as galinhas cacarejavam enquanto o que me pareceram porcos roncavam no meio de gritos e gargalhadas de crianças. Por outro lado, a casa estava silenciosa. A minha companheira de quarto dormia ainda e do outro quarto também não havia barulho, o que indicava que Carol estaria também a dormir. Tinha de utilizar o wc portanto decidi levantar-me. Mal destranquei e saí a porta da rua, várias crianças que limparavam o chão ali perto com feixes, olharam para mim curiosas e deram-me os bons dias. Aproximei-me do wc com algum receio. Ouvia-se restolhar por todo o lado, indicativo que o chão, coberto de ervas, estaria a fervilhar de rastejantes. No entanto, o meu wc estava "desobstruído" e não houve problemas. Alguns dias mais tarde, já o partilharia com grandes lagartos coloridos que ficavam parados a olhar-me curiosos, enquanto me baixava para satisfazer as minhas necessidades.
Como estas crianças estão habituadas a ser vergastadas quando cometem erros ou se portam mal, na minha primeira aula foi-me entregue uma vergasta para eu poder utilizar. De imediato informei que nunca iria agredir nenhuma criança, ao que eles me perguntaram como pensava então castigá-los. Respondi que, em primeiro lugar não esperava que eles se portassem mal. Quanto aos erros que cometessem, seriam castigados com beijos e uma explicação mais detalhada.
Nenhum voluntário é obrigado a desempenhar qualquer tarefa doméstica mas o nosso propósito ali é o de ajudar e facilitar o dia a dia destes meninos que não pediram para nascer e portanto, lavar a loiça nas enormes selhas de latão, lavar a roupa, descascar o milho, moldar a massa para a cozedura do pão e bolos e muitas outras actividades diárias eram um prazer de participar, até porque era uma forma de nos sentirmos mais integrados na sua comunidade.
Na realidade, as crianças da Volta Home estão habituadas a trabalhar desde a mais tenra idade, seja a carregar água do rio até à fazenda em baldes que, por vezes, pesam mais do que elas, seja a apanhar lenha para as fogueiras da cozinha, ou na venda de pão e bolos no mercado confeccionados na fazenda, para além de tudo o resto que mencionei anteriormente. os mais velhos são também obrigados a trabalhar nos campos pertencentes ao orfanato. Caso qualquer destas actividades tenha de ser efectuada durante o horário escolar, as crianças simplesmente faltam às aulas para as poderem executar.
Porém, no final da minha terceira semana, parecia que eu nunca tinha feito outra coisa na vida e a tristeza começava a apoderar-se de mim ao recordar-me que teria de regressar a casa e deixar os “meus” meninos para trás. Na realidade, foi preciso reunir toda a minha coragem para dizer adeus a este mundo que eu amei desde o primeiro momento, e foi no meio de muitas lágrimas e muito choro que um dos meus pequenos me foi arrancado dos braços, com a promessa que eu voltaria. Aos mais velhos foi-lhes permitido acompanharem-me à estrada onde apanharia o tro-tro de volta a Accra e John, o meu “filho” mais velho, obrigou-me mais uma vez a prometer que não se passaria muito tempo até eu regressar.
John |
Comemos com as mãos, de malgas de plástico colorido, a não ser que os voluntários tenham os seus próprios talheres. Andamos todo o dia suados e sujos, com terra e pó agarrados permanentemente ao corpo, porque os mais pequenos gostam de trepar por nós e chegamos a ter dois e três pendurados do pescoço e mais um ao colo, tudo ao mesmo tempo, no meio de gritaria e risos e muita terra que vem agarrada aos seus pezitos descalços.
Fantastico, adorei este post
ResponderEliminarQue maravilha! Deve ter sido uma experiência muito compensadora a todos os níveis.
ResponderEliminarDepois dos comentários simpáticos que tem deixado no meu blogue, resolvi vir aqui espreitar e estou a adorar! Ao ler este post, voltou a ideia que há muito alimento de fazer algo semelhante...
Parabéns!