"Aiii!" - ouvi gemer mas, não tomando atenção, tirei o casaco e liguei o rádio.
"Ouve..." - ouvi murmurar. Olhei em volta surpreendida e baixei o som do rádio.
"Olha, sou eu, o sofá!" - escutei de novo, pensando que estava a sonhar.
Olhei para o sofá e respondi com um "sim" maquinal. Depois, raciocinando, realizei que tinha respondido ao sofá. Ao sofá ???
"Como, magoei-te?" - perguntei, ainda atónita.
"Nem reparaste que me atiraste com a mala? Eu também sou sensível." - e com isto, calou-se.
Nervosa, acendi um cigarro, deitei-me na cama e puxei o cinzeiro para mais perto de mim.
"Estou farto disto!" - uma voz cantou-me ao ouvido.
"Quem falou agora? " - perguntei.
"Fui eu, o cinzeiro." - respondeu este, com voz aflautada.
"Estás farto de quê?" - perguntei novamente.
"Estou farto das cinzas que me deitas. Fico a cheirar mal, sujo e preto. Porque não deixas de fumar?"
"Tens razão!" - afirmei. E levantei-me.
"Já te vais embora?" - desta vez perguntou a cama.
"Ah, tu também falas?" - olhei para a cama branca, já com um sorriso nos lábios, achando tudo isto muito divertido.
"Falo pois. Onde é que vais?" - perguntou.
"Vou deitar o cigarro fora, na casa-de-banho. Eu já volto" - e com isto saí do quarto.
Quando regressei, já não sabia o que fazer, onde me sentar.
"Anda, deita-te nas minhas costas." - pediu a cama com voz macia.
Deitei-me!
Tudo parecia ter vida dentro do quarto. As cortinas baloiçavam, o candeeiro cantarolava, a cama embalava-me docemente.
Os meus olhos principiaram a fechar-se. Parecia ter adormecido há uma eternidade, quando acordei.
Olhei em redor do quarto. O silêncio pesava.
E foi então que me lembrei que todos os objectos falavam.
Virei-me para a cama por momentos e acariciei-a suavemente.
"Não queres falar?" - perguntei.
O silêncio mantinha-se, no quarto cor de rosa.
Abri a janela e o sol entrou por ali dentro, quente e brilhante.
Nunca compreendi se tinha sonhado ou se realmente os meus objectos me tinham falado.
No entanto, nunca mais eu sujei aquele cinzeiro, ou atirei coisas para cima do sofá. Quanto à cama, passei a acariciá-la antes de me deitar e, já depois da luz apagada nunca mais me esqueci de desejar boa-noite a todos eles, mesmo pensando por vezes que afinal sempre enlouquecera!
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(Remexendo o baú das recordações, descobri este conto simples e ingénuo escrito em 1984, no tempo em que ainda tinha imaginação para escrever alguma coisa... :)
Não resisti a transcrevê-lo para aqui. Espero que gostem )
BOM FIM DE SEMANA