Deambulava sózinha por entre as ruínas.
Não tinha mais do que 9 anos, mas no seu olhar vago lia-se o sofrimento.
Muito suja, o seu rosto estava preto de fuligem, as suas roupas esfarrapadas, os pézitos descalços.
Saltitava silenciosamente, escondendo-se trémula ao menor ruído, ao menor movimento.
Mas tudo estava calmo, ouvindo-se apenas o troar espaçado dos morteiros, ao longe.
Subitamente, algo se moveu atrás de uma parede em ruínas. A garota estacou, assustada, olhou para um e outro lado e atirou-se, rápida, para debaixo do que restava de um carro.
Passos aproximavam-se vagarosos, à medida que as batidas do seu coração aumentavam. Sustendo a respiração, encolheu-se ainda mais, ficando com a sensação, porém, que o desconhecido se guiaria pelo galopar apressado do seu coração. Por momentos, os passos deixaram de se ouvir.
- É agora! - pensou tremendo.
Mas os segundos arrastavam-se penosamente e, nada acontecia. Finalmente, aventurou-se a levantar a cabeçita, para espreitar. E, desta vez, o seu coração quase parou de medo.
Mesmo à sua frente, parado, um homem olhava-a atentamente. Tentou sorrir quando viu que a criança o observava, mas um enorme ferimento no rosto impedia-o de o fazer.
A garota reconheceu nele o uniforme inimigo e um grito ficou-lhe estrangulado na garganta.
Todavia, o homem aproximou-se, ajoelhando-se à sua frente.
- Não tenhas medo. Não te farei mal.
A criança olhou-o demoradamente, sem que uma resposta se lesse nos seus lábios.
- Olha, toma. Tenho uma coisa para ti. - continuou o soldado, tirando do bolso rasgado uma barra de chocolate embrulhada em prata.
A criança estendeu a mão a medo, pegou no chocolate e finalmente perguntou :
- Não me vais matar? Como fizeram à minha mãe? - e levantou para ele os olhitos azuis, profundamente azuis, enquanto duas lágrimas escorriam furtivas pela face, deixando um rasto molhado.
- Não - respondeu o soldado com um olhar triste.
A garota desembrulhou o chocolate, partiu-o em dois e estendeu uma parte ao desconhecido.
- Toma. Também deves ter fome.
Sentados no chão, lado a lado, por entre as ruínas, o soldado e a criança saborearam, em silêncio, o pedaço de chocolate.
Mas foi então, que o ruído de passos em tropel se fez ouvir.
O soldado levantou-se bruscamente e, virando-se para a pequenita que o olhava de olhos muito abertos, disse apressado :
- Esconde-te! São os meus! Tenho de ir. Não tenhas medo que eles não virão aqui. - e afastou-se correndo.
Como imaginara, eram realmente alguns dos seus companheiros. Chamou-os e, apontado com o dedo sujo para o lado oposto de onde viera, afirmou com toda a convicção, ter visto um grupo de inimigos encaminhar-se naquela direcção.
A criança tudo vira por detrás do carro e um sorriso triste estampou-se-lhe, por momentos, no rosto.
E, enquanto o grupo se afastava, ela murmurou baixinho um "obrigado" fervoroso e afastou-se também, como antes, saltitando por entre os destroços provocados por uma guerra que não entendia.
Não chegou a ver um aceno silencioso de um homem que, lá ao longe, pensava para si :
- Porquê a guerra????
Sweet
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Aqui tens uma história amiga, tal como pediste. Esta história foi escrita por mim há mais de 30 anos. Na época, alguns anos após o 25 de Abril, eu ainda tinha muito presente as batalhas de rua em Luanda, os morteiros, as balas tracejantes que cruzavam os céus durante a noite, os mortos nas ruas. Uma guerra, que eu não entendia!!
Espero q seja a 1ª de mts outras pois gostei imenso e como tal soube a pouco.
ResponderEliminarFico à espera.... :)
Quero continuar a ler o desenrolar desta história...fico a aguardar por mais
ResponderEliminar:D